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A única no grupo

Para a maioria dos meus amigos cristãos evangélicos sempre lhes foi comum crescerem dentro da comunidade e construírem, desde cedo, fortes amizades dentro dela.


As suas histórias de infância e adolescência são de verões passados em acampamentos bíblicos, ensaios para as festas da igreja e todos a conviverem juntos.


No meu caso, não foi bem assim. Os amigos que conservo há mais anos são, precisamente, não crentes.



No texto anterior, mencionei que para ir a uma igreja evangélica, eu e a minha família, tínhamos que fazer 60 km - ida e volta - todos os domingos. Enquanto muitos cresceram a ir às actividades semanais na igreja, eu fazia parte daquela parte da população que apenas ia à igreja aos domingos.


Sinto falta de ter crescido com amigos cristãos? Sim, sinto. Não posso mentir.


Mas, também assumo que estar sempre muito envolvida fora das quatro paredes da igreja ajudou-me a ter uma visão do mundo onde consigo perceber melhor como Deus intervém na história das pessoas, mesmo quando elas não se apercebem disso.


Os meus amigos, embora a maioria deles tenha ido à catequese, a verdade é que nunca acharam grande piada ir à igreja. As idas eram apenas para o baptizado de um novo membro da família, casamentos ou funerais.


Para alguns ainda continua assim, para outros não. Simplesmente, não vão à igreja.


Uns por causa dos escândalos expostos - graças a Deus que está a ser trazida luz sobre as maldades cometidas e justiça está a ser feita -, ou por não acreditarem na instituição, ou, porque nunca lhes “fez falta” acreditar em coisa alguma.


Bom, que eles crêem em algo, isso é certo. Mas, muito diferente do que eu acredito.


Desde a minha adolescência que era despertada para explicar no que acreditava e como as coisas funcionavam.


Muita coisa mudou, principalmente, quando me separei de uma determinada denominação mais legalista e passei a agir como um ser humano normal que tinha a sua fé firmada em Cristo.


Isso fazia com que a curiosidade deles aumentasse. Tanto pelo que eu acreditava misturado com o nunca deixar de ir à igreja. Porque, apesar de todas as mudanças ou desilusões, eu nunca deixei de ir.


Então, explicar sobre o que se tratava, sobre as minhas crenças e sobre aquilo que eu considerava errado ou não, aquilo que eu preferia não fazer ou poderia fazer, sempre lhes chamou muito à atenção.


Os meus amigos estavam sempre tão acostumados ao meu modo de viver “diferente” que nunca me viram com esses olhos. Pelo contrário, sempre fui muito respeitada.


Inclusive, no período da minha vida em que me afastei dos caminhos de Deus e decidi viver de forma libertina - achando eu que aquilo era viver - foi dos meus amigos não cristãos que mais ouvi: “Isto não é quem tu és.”


Curioso não é?


Não tenho dúvida alguma que eles foram usados por Deus para que eu me lembrasse quem era e qual o meu lugar no mundo. Mesmo que eles nunca tenham se apercebido disso.




“Mas, nunca houve um momento em que te tenha deixado desconfortável?”


Claro que sim!


Faziam muitas perguntas e não, por vezes, não entendiam as minhas decisões ao ponto de, se calhar, questionarem se era saudável - olhando para trás, confesso que me dá vontade de rir.


Não o faziam por mal, apenas porque era algo completamente novo do que lhes era comum. Aliás, ainda hoje gostam de me fazer perguntas às quais respondo se souber.


Também existiam as perguntas desafiadoras que me faziam questionar se eu de facto estava a dar bom testemunho de Jesus, ou se as perguntas eram um “ataque” ou apenas desconhecimento. Tudo isso eram questões que eu vivia internamente.


O que aprendi ser o mais saudável é sempre perguntar para não alimentar os “macaquinhos na cabeça”.


E, quando não sei, admito que não sei. Até se dá uma boa oportunidade para estudar mais e fincar mais os fundamentos da minha fé.


Haviam as piadas, que depressa deixaram de existir, porque podiam ver pela minha cara o quão desconfortável se tornava. Mais uma vez: existia respeito.


Sempre fui muito respeitada por eles. Assim como os respeito. Penso que os reais apertos firam pela parte da minha família que não é evangélica do que com os meus amigos - mas, graças a Deus esse tempo já lá vai.


Embora não entendam muitas das minhas decisões, a verdade é que nunca fui julgada. Sempre tive espaço para falar sobre a minha fé, sempre me deram os seus ouvidos.



"Mas mesmo assim, querias amigos cristãos..."


Existia dentro de mim tanta coisa que eu queria partilhar - coisas que apenas quem tem uma caminhada com Cristo poderia entender - e eu não podia. Não porque eles não me iam ouvir, mas porque não iam entender. E tudo bem.


Pois existem certos processos e certos diálogos que só quem está dentro do mesmo barco vai conseguir entender a 100% o que está a ser dito.


Sei que gostam genuinamente de mim e que torcem por mim. Assim como sei que há momentos em que se identificam mais com outras coisas e outras pessoas. E eu respeito.


E não há problema algum nisso, porque chegou uma altura na minha vida em que orei para ter amigos cristãos. Não porque estava insatisfeita com estes, mas pela tal compreensão espiritual que precisava. E Ele ouviu-me.


Então, ser a única amiga cristã nunca foi um problema. Nem para mim e nem para eles.


O maior desafio, para mim, é apenas tentar viver como Jesus viveu.


“Apenas”. Como se fosse fácil…


Pois dar testemunho de Jesus entre os que crêem Nele é uma maravilha. Aliás, parece que às vezes vira tudo uma competição. Mas, e quando é no meio dos que não crêem? Que tipo de pessoa sou?


Porque eles também vêem os meus dias maus, têm acesso aos meus ataques de ira e aos meus descontrolos emocionais. Assim como já errei com eles e voltei atrás a pedir perdão.


Ser a única cristã do grupo não me torna melhor que ninguém. Eu sou tão susceptível a falhar como qualquer outra pessoa.



Em suma…

O facto de escrever este texto é por saber que, em Portugal, é-nos muito comum estarmos muito envolvidos com pessoas e coisas que não são cristãs. Dando-nos, às vezes, a sensação de que estamos sempre a fazer uma separação entre o sagrado e o secular.


Bom, a verdade é que quando amamos e fazemos o bem - mesmo a quem é muito diferente de nós - estamos a ser espirituais. E disso não nos podemos esquecer.


Não existe separação alguma. Porque tudo o que fazemos que agrada a Deus, é adoração a Ele. Amar e orar pelos nossos amigos, mesmo que muito diferentes de nós, é agir como Jesus agiria.


Então, não posso negar que fazem parte da minha vida e tornam-na mais bonita e mais real. Eles conhecem as minhas alegrias e as minhas tristezas.


Inclusive, estiveram comigo quando perdi a minha mãe e quando as idas ao tribunal, por causa do meu avô, eram recorrentes. Eu sempre pude contar com eles. E eles comigo.


Eles compõem e fazem parte dos meus momentos mais importantes, eles fazem parte da minha história, do meu crescimento.


E, certamente, sempre farão parte das minhas orações. Penso que esta é uma das formas mais verdadeiras de amar alguém.


Além disso, são os amigos que Deus me deu. Ele e eu sabemos porquê.






2 Comments

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Guest
Aug 15, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Caiu um cisco no meu olho 🥺😍

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amargaridablog
amargaridablog
Sep 21, 2023
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Hehehe espero que por bons motivos :)

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Comentários (26)

Guest
Oct 22

Vou dormir com o coração aquecido com esse texto ❤️

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Aug 27

“… nos quer levar a nível de segurança tão grande onde vamos nos sentir livres para deixar toda a dor, todos cacos, nas suas mãos“ 🤯

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Aug 27

A forma como abraçaste este viagem e te entregaste, e a coragem que demonstraste, é algo que me deixa sempre sem palavras.

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Oct 26, 2023

Gracias por llevarnos hasta allá! Hasta se me apretó la guata.

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Hehe como nosotros decimos acá: Ora essa! :)

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Oct 18, 2023

Como amei ler seu texto e poder relembrar os detalhes dessa viagem tão intensa e incrível que fizemos. Obrigada ❤️😇

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Seria bom voltar, né? Pode ser que um dia tenhamos boas notícias e seja possível voltar com tudo em paz :)

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Armando Marcos
Armando Marcos
Jul 18, 2023

Muito bom seu texto, e compartilho sua dor pois tive um pai semelhante, e essa questão se estar sempre em alerta até hoje vem comigo

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Jul 18, 2023

Wow! Que corazón enorme Dios te dió.

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Sin ninguna duda! :) gracias por leer el texto.

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Jul 06, 2023

Uma menina/mulher super corajosa para escrever sobre algo que te maguou tanto 👏👏

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Obrigada pelas palavras, que possa encorajar e fortalecer quem está no mesmo barco.

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Jun 28, 2023

Que post sensacional sobre sermos o sal da terra! Maravilhoso ❤

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Muito obrigada :) é muito importante, principalmente, nos dias que vivemos.

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Guest
Dec 14, 2022

O medo é uma realidade vencida pela coragem. És corajosa e tens mostrado prendas dadas por quem te ama a tal maneira.

És Ana, conhecida e amada desde a fundação do mundo.

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