Se há uma coisa muito mencionada neste blog, é a minha percepção do quão é importante saber viver de acordo com os recursos que a vida nos dá.
O que quero dizer é que sejam coisas boas ou más, provocadas por nós ou não, a verdade é que tudo o que já aconteceu é o que vamos ter de saber lidar - e é sempre bom fazê-lo com sabedoria.
Mas, para este texto, quero ressaltar que nem sempre crescemos com todos os recursos de que precisamos ou que são nossos por direito. E é por isso que te vou falar de como foi crescer - e ainda viver - sem pai.
Não sei se estás a par da minha história, mas posso avançar-te que sou filha de mãe solteira. Sempre foi muito comum para mim as memórias com a minha mãe, mas confesso-te que ainda hoje me faz confusão não ter tido uma presença paterna no meu crescimento.
A forma que tenho de te explicar como foi dar-me conta de que não tinha o meu pai presente, é pedir-te que imagines uma casa abandonada. Pois foi abandono o que senti, mesmo sem saber que palavra era essa.
Não sei como imaginar o meu pai e nem sei como ele estará hoje em dia. Só te sei dizer que escolheu ir-se embora.
O meu pai tinha 25 anos. Era da mesma idade da minha mãe. Como eu já passei essa faixa etária, consegui perceber que eles eram apenas “crianças”. Nem um nem outro vinham de lares estruturados ou de famílias calmas.
Logo, as escolhas não foram as melhores. E a escolha de ir embora revelou que para além de não haver maturidade ou responsabilidade, não havia sequer bom senso.
Escolheu um caminho diferente. Caminho esse que, até hoje, me faz questionar se é feliz. Embora seja estranho para algumas pessoas, tenho compaixão do meu pai. Mas, essa compaixão só apareceu depois de o ter perdoado e não ficar mais presa à ilusão do seu retorno.
Hoje em dia, não tenho necessidade de lhe imputar qualquer culpa ou ressentimento. Pois, mesmo que todos os homens estejam aptos para fazerem filhos, a verdade é que nem todos têm a maturidade ou responsabilidade de assumir um.
Contudo, nunca foi fácil para mim, desde tenra idade, olhar para o meu modelo familiar e comparar com o dos meus colegas de escola. Já para não falar da celebração do dia dos pais. Nunca me fez sentido dar os presentes ao meu avô - fazia-o como forma de amenizar as coisas dentro de casa e porque era o único homem que ali estava.
A época escolar foi a que mais me fez entender a estranha sensação de vazio por não haver mais um elemento na família. Elemento esse que eu sabia que existia, mas que nunca vi. Só ouvia falar.
Lá está, a imagem da casa continuava abandonada. Comecei a dar-me conta que essa casa era eu.
A adolescência foi o período mais conturbado. Não pensava no meu pai e nem na falta que me fazia a figura paterna. Mas, o desgoverno das minhas emoções, as respostas efusivas e desrespeitadoras revelavam que algo estava em falta.
Depois do falecimento da minha mãe então é que tudo ficou mais descontrolado. Ao ponto que, se eu olhar para mim, nessa altura, só me apetece agarrar naquela Margarida e apertá-la contra o peito. Chorar com ela. Afagar-lhe o cabelo.
Pois mais parecia um bicho do mato do que gente. As emoções eram muito à flor da pele, o que é típico na adolescência, mas havia razões a mais. A casa continuava abandonada, e eu queria o retorno e a aceitação.
Não tinha estrutura e nem conhecimento para saber lidar com as minhas emoções nem sabia como usar as palavras certas para dizer que o que eu estava a sentir era uma enorme injustiça. Era o meu direito ter um pai.
Já para não falar que, sem uma figura paterna saudável e sem acompanhamento apropriado, as minhas escolhas nunca foram as melhores.
Havia sérias dificuldades em lidar com a figura masculina. O que me levou sempre a ter paixonetas rápidas, dolorosas e fora as não correspondidas. A última correspondida foi um autêntico desastre de manipulação e carência.
Sou forte na opinião de que a figura paterna é a que dá senso de orientação a uma criança. O senso de identidade vem muito a partir das palavras que ouve do pai e da mãe. Mas, o pai acaba por ter mais força.
Por isso, um adulto depende muito da experiência que os seus pais lhe deram na infância. E, reforço, principalmente o pai.
No meu caso, que nada ouvi do meu pai e que sempre fora ausente, faz-me sentido a noção de rejeição e vergonha, assim como uma grande falta de senso de identidade ou de pertença.
A minha identidade estava atrelada à ausência do meu pai. E de todas as formas eu tentei encontrar essa identidade em caminhos que não eram para mim.
Mas da mesma forma como nunca tive nada do meu pai, também nada recebi dessa minha busca, pois eram lugares que apenas ofereciam vazio - e isso eu já conhecia.
As coisas começaram a mudar quando eu prestei atenção à forma como Deus me tinha chamado de volta. Eu sempre cresci a ser educada na fé cristã, mas só vim a ter noção do que era uma genuína conversão aos 23 anos.
E neste processo - pois eu acredito que me converto todos os dias - eu tenho visto o quanto Deus tem sido paciente comigo em relação a todos os meus traumas e à forma como lido com o facto de não saber, na totalidade, o que é ter um pai.
Sem qualquer medo ou reserva, digo sempre a Deus que não sei o que é ter um pai. Contudo, depois de tanto me revoltar e de querer respostas, fui convencida de que estava a dedicar demasiado tempo ao ressentimento por alguém que cedo decidiu não me assumir.
Enquanto Aquele que sonhara comigo e que me teceu dentro da barriga da minha mãe estava a ser negligenciado.
Comecei, já adulta, a ler mais sobre o que Jesus dizia acerca do Pai. Sendo Ele o filho, então ninguém melhor para me dizer como Deus é. Pois devido à ausência do meu pai e por imaginá-lo sempre inalcançável… eu pensava a mesma coisa em relação a Deus.
No evangelho de João é onde eu mais vejo Jesus como filho. Mas, um filho completamente seguro de quem é o Seu Pai. Jesus mostra que o Pai é presente e não ausente. Com o próprio filho na terra, as pessoas viram Deus a caminhar os mesmos passos que qualquer ser humano.
Que Pai é esse que está tão perto, não é? Só um pai saudável é que pode se identificar com os seus filhos.
Houve quem já me perguntasse se, genuinamente, eu já tinha as coisas resolvidas em relação ao meu pai biológico. Tudo isto porque me dirijo a Deus como Pai.
Noto um olhar de desdém e até de falsa compaixão, como se eu estivesse neste caminho por ser fraca demais e precisar de uma muleta para não dar fim à minha vida.
Bom, em primeiro lugar: sim, sou fraca e sem problema algum em admiti-lo. A Wonder Woman só existe em BD e nos filmes… ela não é real. E, em segundo lugar: creio, plenamente, que existe um ser maior que todos e que dá sentido a tudo.
Inclusive, o sentido de pertencimento. Porque no fundo, todos viemos Dele. As nossas histórias não começaram por acaso, já estávamos nos Seus planos antes mesmo da criação do mundo.
Não digo que já não trago mais marcas comigo. Não, não poderia dizer tal coisa porque não passaria de uma mentira. Contudo, eu tenho voltado os meus olhos e dado toda a minha atenção para o meu Pai do Céu, que tem toda a minha vida nas Suas mãos.
Não só a minha vida, mas também o meu nome. Está gravado na palma das Suas mãos. E também todos os meus traumas, todas as minhas ruínas de uma vida que não é perfeita e nem forte - “Vejam, escrevi seu nome na palma de minhas mãos; os vossos muros em ruínas estão sempre em minha mente.” (Isaías 46:19).
Tal como quem investe numa casa abandonada para a restaurar, Deus amparou-me e mantém-se ciente de que eu tenho as minhas paredes do coração partidas. Mas, como Ele fez de tudo para eu estar aqui e sonhou comigo desde sempre, então Ele mesmo é responsável por mim.
Hoje, depois do perdão liberado ao meu pai e todo o processo de despedida para não viver mais na ilusão do seu retorno, eu voltei toda a minha atenção para o Pai que me desenhou para um propósito de vida com fundamento e verdade.
Todos os dias eu sei que Deus aprofunda em mim o que é ter um Pai, pois Ele sabe a falta que me fez e que me faz.
Ele sabe o quanto este episódio me marcou ao ponto de ainda ter de lidar para não cair na armadilha de voltar a pensar que sou um acidente ou um acaso.
E quando Ele o faz não é por meu merecimento ou porque a minha história é demasiado triste, mas por causa do Seu infinito amor.
Pois, enquanto eu pensava vezes sem conta o que tinha feito para o meu pai biológico não me querer, o Pai Celestial quis-me para Si e responsabilizou-se sempre por mim. E eu não fiz nada para merecer.
Creio que isto significa ter um pai. E que bom que Ele é o melhor de todos.
Vou dormir com o coração aquecido com esse texto ❤️
“… nos quer levar a nível de segurança tão grande onde vamos nos sentir livres para deixar toda a dor, todos cacos, nas suas mãos“ 🤯
A forma como abraçaste este viagem e te entregaste, e a coragem que demonstraste, é algo que me deixa sempre sem palavras.
Gracias por llevarnos hasta allá! Hasta se me apretó la guata.
Como amei ler seu texto e poder relembrar os detalhes dessa viagem tão intensa e incrível que fizemos. Obrigada ❤️😇
Muito bom seu texto, e compartilho sua dor pois tive um pai semelhante, e essa questão se estar sempre em alerta até hoje vem comigo
Wow! Que corazón enorme Dios te dió.
Uma menina/mulher super corajosa para escrever sobre algo que te maguou tanto 👏👏
Que post sensacional sobre sermos o sal da terra! Maravilhoso ❤
O medo é uma realidade vencida pela coragem. És corajosa e tens mostrado prendas dadas por quem te ama a tal maneira.
És Ana, conhecida e amada desde a fundação do mundo.