Há uns tempos, uma senhora mandou-me uma mensagem de voz e, muito interessada em saber um pouco mais acerca da minha vivência com o luto, quis fazer-me uma pergunta.
Após uma troca vulnerável, ela não hesitou em me perguntar se eu alguma vez me tinha revoltado contra Deus por ter levado a minha mãe numa altura em que eu precisava muito dela.
Prontamente, quis responder “não”, até que notei no meu coração uma falta de genuidade na minha resposta. Dentro de mim havia um orgulho de mascarar as perguntas que me rondavam o pensamento, mas que eu nunca tive coragem de expor.
Apaguei o áudio que tinha gravado e prezei por ser verdadeira. Confessei o facto de que, mesmo sendo adolescente, aprendi uma ideia acerca da soberania de Deus que não me permitiu e nem me dava espaço para exprimir a minha dor. Porque, ao fazê-lo seria uma rebeldia, uma revolta.
Claro que hoje a abordagem teológica que tenho em relação à soberania de Deus é bem diferente.
Eu sei que posso estar à vontade com Deus – para colocar todos os meus questionamentos e dores para fora – e que isso reflete a profundidade de conhecimento e relacionamento que tenho com Ele.
Agora deixa-me contar-te o que me passava pela mente...
Imagina o que é estar no funeral da pessoa mais amada…, achas que não me doía saber de todas as histórias de pessoas que ressuscitaram e com a minha isso não acontecia? Que eu não pensava no facto de haver tantos milagres de doenças sem cura e a minha mãe não ter sido curada da Poliomielite?
Acredita em mim, foram inúmeros os questionamentos que levei dentro durante anos dos quais nunca tive a coragem de falar sobre. A ideia que eu tinha de Deus na altura não tem nada a ver com o conhecimento que tenho hoje. Contudo, até chegar à conclusão e ser completamente livre, o caminho não foi fácil.
Não me sentia no direito de questionar Deus fosse o que fosse e nem à vontade para tal. Durante muito tempo, confundi temor a Deus com medo. Enquanto o temor me leva a uma postura e convicção de reverência, de respeito e de honra, o medo faz-me querer fugir a sete pés.
Ora, se eu creio que Ele é bondoso e rico em misericórdia, por que razão eu iria querer fugir ou ter medo de fazer perguntas única e absolutamente humanas?
Tudo isso se dava por causa de uma extrema carência de conhecê-lo mais de perto. De ter noção de que a Sua soberania é o que me torna mais descansada para continuar a confiar nele e não pelo facto de que não posso nem abrir a minha boca.
Se fosse esse o caso, não teríamos um livro só de lamentações de um profeta, nem o livro de Jó – onde abertamente ele expõe todas as suas angústias em tom de perguntas – e nem o livro de Salmos – em que se podem ler profundas poesias, orações e canções que retratam sofridos questionamentos a Deus.
Fui muito honesta naquelas mensagens de voz sobre a forma como estava a viver a minha fé naquele momento e como a vivo hoje. Acredito que, à medida que conheço mais do carácter de Deus e me deixo ser moldada, consigo ressignificar episódios traumáticos da minha vida com mais leveza e coragem.
Não se trata de um mero conformismo, mas de uma visão mais nítida da vida envolta de uma maior aceitação para se ser apenas humano e fazer todas as perguntas que precisam ser feitas – e isso é adquirido, como diz a minha amiga Renata: “só com o tempo”.
Deus é a pessoa mais que apta para responder todas elas, mas agora diz-me com sinceridade: será que em momentos de angústia profunda, o que necessitamos são mesmo essas respostas ou o verdadeiro consolo para a nossa dor?
Deste modo, quero encorajar-te a que conheças mais o teu Criador. Que experimentes tanto da Sua presença ao ponto de não ser incómodo ou atormentador fazer as perguntas mais humanas que tens dentro de ti.
Afinal, não será o Criador o mais capaz para lidar com a sua criação?
Linda e profunda reflexão, Ana querida. Penso que não há pergunta para Deus que não seja acolhida. Ainda que ele não responda nos nossos termos, creio muito que haverá um dia em que Ele nos abraçará forte e, toda dor, dúvida e questionamentos nos serão respondidos.
Muito obrigada por trazer à tona tanta sinceridade e compromisso com a fé em Cristo, apesar das circunstâncias que nos afligem. E este "apesar" é importante, uma vez que muitas pessoas tentam nos fazer crer e olhar apenas para o lado bom, mas olhar para a dor e para o lado ruim da vida, também nos aproxima de Deus e da Sua Compaixão. Afinal, quantos abraços não ganhamos quando estamos a chorar? Jesus sempre…
Olá, Ana, Boa tarde! Acabei de ler o seu texto e gostei muito de sua forma de abordar esse assunto tão delicado, digo isso nem tanto devido ao estágio chamado luto, pois a morte e a dor por perder alguém amado infelizmente são inevitáveis, digo a respeito desse dilema que temos, de achar que Deus é Divino demais para sem importar com os nossos dramas e dilemas humanos. Me identifiquei muito, tem horas que é difícil ter a convicção genuína de que Deus genuinamente se interessa em nos ouvir, principalmente quando questionamos algo difícil assim a Ele, ou quando simplesmente desabafamos, desnudamos as nossas tristezas e sofrimentos e não sabemos se Ele realmente vai fazer algo a respeito. Sei que…