Não sei se, como eu, já entraste em debate contigo para descobrir se há ou não algo de errado em ser quem genuinamente és. A resposta será - em alto e bom som: não!
Mas, será que já sentiste vergonha sobre a tua história e o teu contexto?
Eu já.
Não há nada de errado em sermos nós próprios. Mas, quem afirmar que nunca tentou ser outra pessoa ou moldar a sua personalidade estará a mentir com todos os dentes que tem na boca. Talvez muitos de nós já tenhamos ido mais além ainda, nunca revelando a nossa verdadeira história de vida.
Desde que me entendo por gente, sempre tive muita dificuldade em apresentar-me às pessoas ou, quando me forçava a fazê-lo, adoptava uma maneira de estar que não era a minha. Tudo por ter medo de revelar quem era, pois isso iria revelar o meu passado.
Todos os meus comportamentos eram uma chamada de atenção para conseguir a aceitação das pessoas e para que a tristeza dos traumas não resolvidos não fosse evidente aos olhos de quem eu queria que me amasse.
Esses comportamentos iam desde falar alto a estar sempre pronta para ajudar, mesmo que acabasse por me prejudicar de alguma forma. Fora o facto de ficar preocupada quando o comportamento de alguém mudava - pois automaticamente eu já pensava que tinha feito alguma coisa errada.
A realidade onde nascemos e a forma como crescemos dentro do nosso sistema familiar molda muito quem nos vamos tornar. Mas, e se eu te disser que a nossa verdadeira identidade não reside nisso? Mesmo que molde e contribua, isso não chega para nos definir.
Saber que a minha identidade não se baseia na decisão que o meu pai biológico tomou ao abandonar a minha mãe grávida, é libertador. Nem se baseia no ambiente de violência doméstica onde cresci, no bullying que sofri na escola, e muito menos na perda que sofri com a partida da minha mãe aos 12 anos.
Hoje eu consigo ter essa certeza mas, até ter passado por esse processo de cura, eu cheguei até a ter medo de estar numa sala de aula por ter vergonha de mim. Tinha medo de aparecer. Não tinha coragem de partilhar uma sala com pessoas que eu considerava superiores a mim e com uma vida aparentemente melhor que a minha.
Cheguei a justificar isso como sendo normal, pois já era tão familiar e cómodo que nem me apercebi que não era saudável. Eu queria evitar a todo o custo ter que enfrentar a minha vergonha. E ninguém gosta de se mudar de onde se sente cómodo. Mesmo quando isso apenas traz dor e vitimismo.
Eventualmente, a vida encarregou-se de me mostrar que ter vergonha de mim mesma ou fingir pertencer a uma realidade que não era a minha deixava-me frustrada e com uma carga de mentirosa nas costas.
Era mais confortável encarnar outra personagem e entrar em mundos de fantasia. Ter uma vida e uma história que não a minha era mais fácil de lidar. O que criei para mim era bom e tinha finais felizes. Mas não era real.
Então, no meio disso tudo, vi que Deus sempre me chamava à atenção para não ignorar a minha realidade e resolvê-la. Eu precisava de fazer a minha parte e não ignorar pequenos sinais. Foi um passo a passo de descobrir as raízes que estavam escondidas em cada atitude ou pensamento meu.
Era preciso arrumar as gavetas de todas as fases da minha vida. Tive de vencer preconceitos, derrubar muralhas mentais, e abrir o coração para um profissional de saúde. O meu coração já se tinha aberto para Deus e para amigos mais próximos, mas o processo ainda mal tinha começado.
Para ser sincera, odeio mostrar qualquer vulnerabilidade. A desconfiança ainda é um campo que preciso vencer. Mas, aos poucos, entendi que o risco de falar o que me vai na alma traz o benefício da cura.
Sim, eu rasgo o meu coração quando falo com Deus, mas Ele também me ensinou que as pessoas podem ser instrumentos para que essa cura aconteça. Afinal, se eu fui tão magoada por pessoas, por que não permitir que Deus as ponha no meu caminho para que a cura continue?
Agora vejo que, sim, sou introvertida e que não há nada de errado com isso. O que trava o crescimento é a timidez em desgoverno, que tem fortes raízes em culpa e rejeição (até de coisas que a pessoa não é culpada).
E, ainda que eu seja introvertida, isso não é barreira para que a minha confiança seja restaurada, pois eu sei que Deus não criou ninguém para a solidão. Tanto que Ele garante que faz o solitário viver em família (Salmo 68:6). E eu descobri que Ele sempre me incluiu na Dele.
Agora, existe diferença entre ser introvertido e tímido?
Ora bem, ser introvertido (ou extrovertido) está relacionado com a forma como a pessoa recarrega o corpo e a mente; como descansa e relaxa; e como se conecta com as pessoas. Uma pessoa introvertida é intencional na forma como socializa, não importando o lugar ou a actividade mas sim a profundidade da interacção.
Já a tímidez – confundida muitas vezes com a introversão – traz sofrimento pela preocupação exacerbada dos pensamentos e das opiniões das outras pessoas.. Enquanto um introvertido observa tudo ao seu redor, um tímido está sempre em estado de alerta com medo de dar a sua opinião ou de estar a ser constantemente avaliado.
A rejeição é o mais gritante para uma pessoa tímida, tanto que a paralisa e nem a deixa desenvolver simples capacidades sociais, tais como apresentar-se tal como é.
Entendi, aos poucos, que não existe nada de errado com a minha característica introvertida. O problema estava em usar a introversão como desculpa para não encarar a timidez e a vergonha, que aos poucos me estavam a aprisionar.
Criar este blog foi quase um parto! Sofria por ter medo de me expôr, mesmo que eu tivesse sonhos que queria ver realizados através deste espaço. Infelizmente, as raízes mais profundas desse medo (principalmente, a rejeição) faziam-me pensar menos de mim do que realmente sou. Isso nada mais é do que uma falsa humildade – fora o facto de passarmos tempo só a pensar em nós já ser um alerta para mudança (cuidado com o ego).
Não há nada que enganar, pois a verdadeira humildade é quando nos vemos como realmente somos e não gastamos tanto tempo a pensar em nós próprios.
Por isso, a questão não é se somos introvertidos ou extrovertidos. Se somos melancólicos ou coléricos, qual o nosso número no eneagrama, ou um outro resultado aleatório e generalista dos muitos testes de personalidade que há por aí. E que tal parar de idolatrar as nossas características ou personalidades como emblema de superioridade (ou inferioridade)?. Deus sabe o que faz e Ele criou cada um da maneira mais proveitosa e certa, resta-nos respeitar e admirar essa diversidade entre nós.
Quando nos julgamos menos ou mais que o outro, ou nos preocupamos demasiado com o que os outros pensam acerca de nós, é aí que precisamos prestar atenção. Porque não é normal termos vergonha de - simplesmente - existirmos ou da forma como chegámos a este mundo, muito menos do contexto familiar em que nascemos.
Então, não. Não há nada de errado comigo ou contigo. Só não podemos ignorar os alertas que nos são dados em situações normais da vida. É preciso determinação para sair desses lugares cómodos, mas também ter sempre a certeza de que não estamos sozinhos nesses momentos. Temos a verdadeira liberdade a chamar-nos para vivermos de acordo com a identidade que Deus nos deu.
Por isso, não tenhas vergonha de ti. Não tenhas vergonha de estar neste mundo. E nem tenhas vergonha do contexto em que nasceste. Porque Deus não se envergonha da bela arte que criou. Tens valor porque tens a assinatura do Artista. E, ainda mais: mesmo que o teu contexto ou a tua história não sejam motivo de alegria… se ainda estás aqui é porque Deus te dá sempre novas oportunidades de tornares isso num testemunho da Sua doce graça.
E que mais poderoso há se não um testemunho do Seu amor por nós?
Vou dormir com o coração aquecido com esse texto ❤️
“… nos quer levar a nível de segurança tão grande onde vamos nos sentir livres para deixar toda a dor, todos cacos, nas suas mãos“ 🤯
A forma como abraçaste este viagem e te entregaste, e a coragem que demonstraste, é algo que me deixa sempre sem palavras.
Gracias por llevarnos hasta allá! Hasta se me apretó la guata.
Como amei ler seu texto e poder relembrar os detalhes dessa viagem tão intensa e incrível que fizemos. Obrigada ❤️😇
Muito bom seu texto, e compartilho sua dor pois tive um pai semelhante, e essa questão se estar sempre em alerta até hoje vem comigo
Wow! Que corazón enorme Dios te dió.
Uma menina/mulher super corajosa para escrever sobre algo que te maguou tanto 👏👏
Que post sensacional sobre sermos o sal da terra! Maravilhoso ❤
O medo é uma realidade vencida pela coragem. És corajosa e tens mostrado prendas dadas por quem te ama a tal maneira.
És Ana, conhecida e amada desde a fundação do mundo.