Cresci com a referência de fé da minha avó e da minha mãe. Era raro o dia em que não as via orar ou a ler a Bíblia.
Cresci com essa noção da existência de Deus e a ouvir a história de que eu era um milagre.
Isto porque, dada a doença que a minha mãe tinha, era-lhe impossível engravidar. Não que ela fosse estéril, mas porque o tratamento não poderia parar e o seu corpo já não tinha capacidade para aguentar uma gestação.
Sei perfeitamente que não fui planeada pelos meus pais. Sou aquilo a que chamam de “descuido” ou “acidente”.
E, sendo a minha mãe doente crónica, os tratamentos não poderiam parar. Então, em cima da mesa foram colocadas as seguintes hipóteses: abortar (ideia do meu pai, que a usou até como chantagem); seguir com a gravidez enquanto continuava o tratamento, o que os médicos garantiram que resultaria em eu nascer com anomalias; ou, continuar a gravidez sem tratamento e a minha mãe sofreria graves consequências.
Sabendo do pânico em que a família inteira estava, a minha avó decidiu deixar tudo nas mãos de Deus e começou a orar com afinco. E a minha mãe, bravamente, escolheu ser mãe. Apesar dos riscos,o aborto não foi opção.
Deixo já aqui o meu apreço e total consideração pelas mães. Vocês são a prova viva do amor de Deus pela forma como se entregam e se sacrificam. O meu desejo é que vocês sejam recompensadas por todo o trabalho e renúncia que ninguém vê.
“E o teu pai, Margarida?”. Já tinha desaparecido.
Agora, sem tratamentos eu desenvolvia-me saudavelmente e ouvi várias vezes da boca da minha mãe: “Foi o melhor tempo da minha vida, não tive um sintoma da doença.”
Recordo-me, inclusive, da quantidade de vezes que ela se ria ao se lembrar que mal chegava ao hospital era uma fila enorme de médicos para lhe fazer perguntas, porque o que estava a acontecer era tudo menos lógico - mas, afinal, não é essa a definição de milagre?
Então, eu nasci. E fui crescendo a ouvir essa história.
A minha infância, embora conturbada e numa família disfuncional, foi sempre marcada por duas mulheres que dedicavam as suas vidas a perseverar em fé.
Esse cenário, essa educação, o ir à igreja… era comum para mim. E, de alguma forma, eu tive as minhas experiências com Deus. Mas, eu ainda não O conhecia profundamente.
Após o falecimento da minha mãe - eu tinha 12 anos - tornei-me revoltada. Tinha sempre uma resposta na ponta da língua, ao mesmo tempo que carregava um sentimento de inferioridade.
A minha adolescência foi um caos. Bullying na escola, ambiente de violência em casa, sem pai e agora sem mãe. Não demorou muito para que começassem os pensamentos suicidas - por favor, prestem atenção a quem vos rodeia.
As idas à igreja eram frequentes e eu, genuinamente, sabia que Deus tinha o seu olhar sobre mim. Mas, eu transferi muitas atitudes e acontecimentos a Ele que não eram a realidade.
Eu sentia Deus distante. Não o via como Ele é, porque nem eu sabia quem eu era. Pensava que a minha história e o meu contexto me definiam.
Até que, mais tarde (aos 18 anos) conheci alguém que achei que seria a pessoa mais importante e verdadeira para mim. Enganei-me.
Estando numa posição de extrema vulnerabilidade, insegurança e carência, acabei por me ver dentro de um relacionamento abusivo durante 4 anos . Não comentava nada com ninguém, mas eu via partes da história da minha avó e da minha mãe a repetirem-se em mim.
Eu tive a minha cota de responsabilidade - não a posso ignorar -, pois não estava preparada para fazer uma boa escolha nem ser uma boa escolha para alguém quando eu nem sabia quem era, quem Deus era e o que ainda havia para curar.
Simplesmente, deixei-me levar pela primeira pessoa que me deu atenção - tenham muito cuidado com a carência, principalmente, quando existem episódios da vossa vida que precisam passar pelo processo de cura. Não tenham pressa.
Mais um aviso: sai dessa relação se a manipulação está presente; se ficas confusa(o) sem saber o que disseste ou fizeste - onde a pessoa reformula todos os teus passos para te deixar desnorteada(o) para que assumas uma culpa que não é tua; se te expõe e expõe acontecimentos em frente ao teu grupo de amigos deixando-te desconfortável; se, constantemente, te culpa pelo estado da relação; ou faz tratamento de silêncio.
(Bom, parece-me que vai ser assunto para mais textos).
Nesta fase da minha vida eu estava prestes a terminar a faculdade, e era uma pessoa que não me reconhecia.
Estava infeliz, não era uma boa pessoa, fiz coisas que me arrependo e muito, permiti o que não devia, dei o meu corpo em troca daquilo que eu achava ser amor… afundei-me.
Dei por mim a sofrer de ataques de ansiedade e comecei a ter medo de morrer. Pensei que a qualquer momento eu iria morrer (para quem passa por essas crises, por favor, procura ajuda profissional e espiritual).
Foi então que, numa noite, acordei e comecei a chorar compulsivamente. Dei-me conta do estado em que estava, e um turbilhão de dores começaram a rondar-me.
Bem, na verdade elas já lá estavam… eu é que as tinha reprimido. Talvez como um modo de sobrevivência, porque a vida tinha de continuar.
Recordo-me de começar a ter uma profunda consciência do meu estado. Estava ferida, perdida, não era a melhor pessoa para ninguém (nem para mim). Eu bati no fundo do poço.
Foi aí que me arrependi. Tive uma forte convicção de arrependimento.
Até que ouvi uma voz familiar que me disse: “volta para casa, Eu não te criei para isso.”
Eu sabia que era Deus.
Apesar de tudo, eu sabia distinguir aquela voz dentro de mim. Eu conhecia aquela voz. E ainda chorei mais.
Lembro-me que após isso mandei mensagem a uma amiga, que a tenho como uma mãe. Pedi ajuda para voltar.
É claro que o voltar não era largar tudo e ir embora. Era voltar para o Pai. Parecia mesmo a história do Filho Pródigo (e na verdade eu via-me ali na história contada em Lucas 15:11-32).
Foi o próprio Deus que veio atrás mim, quando eu nem tinha coragem de lhe dirigir palavra por saber que tudo o que me acontecera, naquela altura, era da minha responsabilidade.
Mas, nem a vergonha nem a culpa foram fortes o suficiente para me afastar do Seu amor.
Não há nada que faças que seja forte o suficiente que Ele não te possa alcançar. Nada O choca, nada O surpreende. Nós é que somos surpreendidos por tamanho amor e ficamos chocados com tamanha graça.
“E como foi voltar, Margarida?”. Não foi nada fácil, tenho de admitir!
Lutei muito contra a culpa que sentia. Volta e meia vinham os pensamentos daquilo que tinha feito e sentia-me a pior pessoa do mundo.
O meu maior desafio foi entender a graça de Deus. Mas, penso que a beleza dela está aí: não temos capacidade de entendê-la.
Lembro-me que, numa aula da ETED (escola de treinamento e discipulado), um professor pediu-nos que explicássemos a graça com as nossas próprias palavras.
O engraçado é que eu sempre vi a graça de Deus como uma guerra. Onde eu estou pronta com as minhas armas (os meus erros, os meus pecados, tudo o que fiz de mal) e, a graça vem na minha direcção e eu entendo que eu só tenho de me render.
Não há nada maior que ela.
E Deus demonstrou isso quando entregou o Seu Filho porque nos queria de volta. E o Filho entregou-se para que soubéssemos que nada há mais poderoso que o amor e a graça de Deus.
O que em mim estava um caos, Jesus colocou a paz e a ordem.
Não que os meus dias sejam sempre lindos, mas quando eu me lembro do poço que Ele me tirou… eu sei que vale a pena viver cada dia - mesmo os maus.
Então, agora que conheces a minha história, guarda isto contigo: eu não me canso de falar de como Jesus veio atrás de mim, de como eu fui enlaçada em amor. Quando eu morria de vergonha e culpa, com medo de encontrar um Deus como eu via antes.
A minha busca por Ele tornou-se mais fervorosa e consciente. Ele começou a desfazer concepções erradas que eu tinha, tal como falsas crenças. Começou a revelar-me quem era - e, acredita, era muito diferente de tudo o que eu achava que sabia.
Hoje é diferente. Eu sou diferente. Mas, Ele é o mesmo.
E tu, qual é a tua história?
Vou dormir com o coração aquecido com esse texto ❤️
“… nos quer levar a nível de segurança tão grande onde vamos nos sentir livres para deixar toda a dor, todos cacos, nas suas mãos“ 🤯
A forma como abraçaste este viagem e te entregaste, e a coragem que demonstraste, é algo que me deixa sempre sem palavras.
Gracias por llevarnos hasta allá! Hasta se me apretó la guata.
Como amei ler seu texto e poder relembrar os detalhes dessa viagem tão intensa e incrível que fizemos. Obrigada ❤️😇
Muito bom seu texto, e compartilho sua dor pois tive um pai semelhante, e essa questão se estar sempre em alerta até hoje vem comigo
Wow! Que corazón enorme Dios te dió.
Uma menina/mulher super corajosa para escrever sobre algo que te maguou tanto 👏👏
Que post sensacional sobre sermos o sal da terra! Maravilhoso ❤
O medo é uma realidade vencida pela coragem. És corajosa e tens mostrado prendas dadas por quem te ama a tal maneira.
És Ana, conhecida e amada desde a fundação do mundo.